O Peso Bruto da Irritação
Se fôssemos
contabilizar as paixões desta vida, os ódios e os amores, os grandes
sobressaltos, as comoções, os transtornos, os arrebatamentos e os arroubos, os
momentos de terror e de esperança, os ataques de ansiedade e de ternura, a
violência dos desejos, os acessos de saudade e as elevações religiosas e se as
somássemos todas numa só sensação, não seria nada comparada com o peso bruto da
irritação. Passamos mais tempo e gastamos mais coração a sermos irritados do
que em qualquer outro estado de espírito.
Apaixonamo-nos
uma vez na vida, odiamos duas, sofremos três, mas somos irritados pelo menos
vinte vezes por dia. Mais que o divórcio, mais que o despedimento, mais que ser
traído por um amigo, a irritação é a principal causa de «stress» — e logo de
mortalidade — da nossa existência.
É a torneira
que pinga e o colega que funga, a criança que bate com o garfinho no rebordo do
prato, a empregada que se esquece sempre de comprar maionnaise, a namorada que
não enche o tabuleiro de gelo, o namorado que se esquece de tapar a pasta
dentrífica, a nossa própria incompetência ao tentar programar o vídeo, o homem
que mete um conto de gasolina e pede para verificar a pressão dos pneus, a
mania de pôr o pacotinho vazio de açúcar debaixo da chávena de café, a
esferográfica de Mário Crespo... é por estas e por outras que as pessoas se
suicidam. E têm toda a razão.
É nos
engarrafamentos, na bicha do supermercado ou do multibanco, no cinema atrás do
cabeçudo que não nos deixa ver, no autocarro cheio de gente, que somos diariamente
irritados. Há-de reparar-se que as pessoas que mais nos irritam são as que
estão à nossa frente. São estas as pessoas que demoram, que levam horas a tirar
o porta-moedas para pagar o táxi, que insistem em passar um cheque para comprar
um quilo de cebolas e uma embalagem de Super-Pop, que se mexem na cadeira e
desembrulham rebuçados durante a cena mais dramática do filme, que têm um tempo
de reacção ao semáforo verde de aproximadamente 360 segundos, que pagam as
contas da água, da luz e do telefone ao Multibanco, que se esquecem de tomar
banho antes de usar um transporte público e depois insistem em esfregar-se
contra quem tomou.
Miguel Esteves Cardoso in "Último Volume"
Concordo com o MEC quando ele diz que nos preocupamos mais com pequenas coisas que nos irritam em vez de disfrutarmos as coisas boas da vida, mas a verdade é que mesmo que eu tenha tido um dia óptimo há algo que o consegue tornar menos bom: o caminho para casa, enfiada num metro com apenas 3 carruagens apinhadas de gente (bem pior que uma lata de sardinhas), com pessoas mesmo em cima de mim. E antes, quando ia de carro para a faculdade, também me irritava as pessoas que parece que não sabem conduzir, que atrasam tudo e todos. E a vocês o que é que vos irrita?
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